O homem que criou, ou melhor, recriou e acertou as diferenças do antigo calendário juliano, foi o Papa Gregório XIII (com o auxílio dos cientistas do Vaticano). Isso aconteceu no ano 1582.
O calendário que usamos até hoje foi uma complicadíssima engenharia que envolveu muitas ciências distintas. Interdisciplinaridade a gente vê na Igreja Católica! Não foi só colocar a cada quatro anos um dia a mais em fevereiro. Foi preciso eliminar os dias de 5 a 14 de outubro do ano de 1582 para que as coisas funcionassem a contento. Os estados católicos adotaram o novo calendário imediatamente (lembrando que é um imediatamente de 1582) e os protestantes, sábios e descolados, bateram pézinho, insistiram no calendário antigo e só adotaram a nova norma um século depois.
Gregório XIII nasceu Hugo Buoncompagni e só foi ordenado sacerdote aos 40 anos de idade – uma prova de que para o Nosso Senhor nunca é tarde. Gregório era versado em leis e excelente administrador. Logo chamou a atenção do papa Paulo IV, que o nomeou Bispo de Vieste, em 1558.
Foi parte ativa do Concílio de Trento e, em reconhecimento dos bons serviços prestados, foi nomeado Cardeal de San Sisto. Em 1565, se tornou núncio apostólico (representante do Papa) da Espanha.
A administração do rei Felipe II foi determinante para eleição do Cardeal Buoncompagni para o Trono de Pedro, em 1572. O conclave que o elegeu durou menos de 24 horas – o que é raro, mesmo nos dias de hoje. Devoto de São Gregório Magno e sentindo-se protegido por ele, adotou seu nome em homenagem. Foi coroado no Pentecostes daquele ano.
O DIREITO DE VETO IMPERIAL
Há um ponto que, fora os historiadores da Igreja, a massa de católicos desconhece: o direito de veto imperial à eleição de um Papa. Sim, isso era possível!
O chamado Jus Exclusivæ consistia, basicamente, do direito do Imperador não aceitar a eleição de determinado candidato indicado pelo conclave, com as devidas considerações legais.
Podemos traçar as origens do direito ao veto imperial até Constantino, mas isso iria ser muito longo e enfadonho. Basta lembrar quantas vezes os imperadores do Sacro Império se meteram com o papado ao longo da História. Esse direito passou do Império Romano para o Sacro Império Romano-Germânico e deste para o Império Austro-Húngaro.
E o que isso tem a ver com as calças? Lembrem que eu disse que o Rei Felipe II da Espanha era admirador do futuro Gregório XIII? Felipe também era o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Pois bem, naquele conclave, na primeira votação, saiu vitorioso o sobrinho do papa Paulo III, o eterno candidato Alessandro Farnese. Vetado, foi feita nova votação, e aí sim o nome de Buoncompagni surgiu como nome de consenso.
Para quem acha que o veto imperial era um costume medieval que há muito não existe, saibam que ele foi válido até 1904. Foi extinto por Pio X que, aliás, foi o último papa a se beneficiar dele.
ENTRE ERROS E ACERTOS, UM BOM PAPA
Falemos um pouco mais do papado de Gregório XIII em si. Buoncompagni era de natureza mais mansa e menos ativa do que seu antecessor, São Pio V. Sua principal ambição era promover os decretos do Concílio de Trento e a Reforma Católica.
Era grande amigo de São Carlos Borromeo, a quem tinha em alta conta. Gregório XIII deu continuidade à política de acabar com as bocas nervosas e insistiu que as dioceses eram terrenos para propagação do Evangelho, não cabide de funcionário público desocupado.
O papa sempre considerou que a educação era o caminho para formar melhores sacerdotes; não poupou esforços e dinheiro para fundar faculdades por toda a Europa, entregando o seu controle à Companhia de Jesus. Reconstruiu o Colégio Romano (1572), que em sua homenagem passou a se chamar Faculdade Gregoriana. Fundou colégios na Inglaterra, reformou na Alemanha e construiu ainda outros: grego, maronita, armênio e húngaro.
Todo mundo sabe o que foi a noite de São Bartolomeu: o massacre dos huguenotes (protestantes) do Almirante Coligny pelas tropas católicas francesas, sob o comando da rainha Catarina de Médicis e suas repercuções até os dias de hoje. Sempre se menciona que o Papa mandou celebrar aquele episódio com um Te Deum. Esse papa era Gregório XIII. Lembrando que o papa não tinha Twitter nem Facebook não existia e a CNN não estava filmando tudo. E, claro, quem mandou o comunicado ao Vaticano foi a coroa francesa, escrevendo a mensagem como bem entendeu, omitindo as partes feias.
Mas o maior inimigo enfrentado por Gregório XIII foi a famigerada Isabel I da Inglaterra, responsável pela destruição da “invencível armada” do Rei Felipe II. Esse fato jogou a Espanha de lodo e estabeleceu o domínio inglês dos mares, que perdurou até o século XX.
Gregório aliou-se a Felipe e planejou ataques à marinha inglesa, a partir da Holanda ou da Irlanda. Depois que a invasão a partir da Irlanda falhou, o rei Felipe II passou a conspirar, no melhor estilo KGB, para tentar assassinar a rainha. Tendo o papa como principal aliado, esse também acabou pegando a fama de envenenador de realezas. Mas ao certo, ninguém sabe o que foi verdade ou o que foi plantado pela própria coroa britânica. Típico jogo sujo dos tronos.
Grande incentivador dos jesuítas, Gregório defendeu as missões da Índia, do Brasil, da China e do Japão. Aprovou a Congregação do Oratório de São Felipe Néri e a reforma das carmelitas de Santa Teresa D’Ávila. Foi Gregório XIII que reformulou o Corpus de Direito Canônico, conforme as determinações do Concílio de Trento.
Todos esses gastos com colégios, missões e guerras deixavam a Igreja deficitária economicamente, como sempre. Somos ricos da graça, mas nunca tem muito dinheiro sobrando. A segurança interna deficitária de uma Roma que mais e mais se secularizava transformou o lugar numa espécie de Rocinha da Idade Moderna.
E assim transcorreu o papado do Gregório XIII, entre erros e acertos, um bom papa, um servo de Deus e um sucessor digno de Pedro. Partiu em 10 de abril de 1585 e foi sepultado na Basílica de São Pedro.
Fontes:
Ludwig, Freiherr von Pastor. History Of Popes
Ranke, Leopold von. The History of the Popes during the Last Four Centuries
Johnson, Paul. La Historia Del Cristianismo
McBrien, Richard P.. Os Papas – Os Pontífices de São Pedro a João Paulo II